ATA DA TERCEIRA SESSÃO SOLENE DA QUINTA SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA NOVA LEGISLATURA, EM 31.03.1987.

 


Aos trinta e um dias do mês de março do ano de mil novecentos e oitenta e sete reuniu-se, Sala de Sessões do Palácio Aloísio Filho, a Câmara Municipal de Porto Alegre, em sua Terceira Sessão Solene da Quinta Sessão Legislativa Ordinária da Nona Legislatura. Às dezesseis horas e quarenta minutos, constatada a existência de “quorum”, a Sr.ª. Presente declarou abertos os trabalhos da presente Sessão, destinada à entrega do prêmio de teatro Qorpo Santo ao Teatrólogo e Escritor Ivo Bender, e convidou os Líderes de Bancada a conduzirem ao Plenário as autoridades e personalidades presentes. Compuseram a Mesa: Ver.ª Gladis Mantelli, 1ª Secretária da Câmara Municipal de Porto Alegre; Dr. Glênio Peres, Vice-Prefeito, neste ato representando o Sr. Prefeito Municipal; Sr. Carlos Jorge Appel, Subsecretário de Cultura, representando, neste ato, o Sr. Governador do Estado do Rio Grande do Sul; Prof. Luiz Oswaldo Leite, representando, neste ato, o Reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Teatrólogo e Escritor Ivo Bender, homenageado; Ver. Rafael Santos, proponente da homenagem e, na ocasião, Secretário “ad hoc”. A seguir, a Sr.ª. Presidente concedeu a palavra aos Vereadores que falariam em nome da Casa. O Ver. Rafael Santos, em nome das Bancadas do PDS e PCB, teceu comentários acerca da obra do homenageado, tanto na parte de teatro quanto de literatura, destacando encontrar-se nela a presença constante da crítica a nossa sociedade. O Ver. Antônio Hohlfeldt, em nome das Bancadas do PT e do PC do B, discorreu sobre o significado do prêmio hoje entregue ao Teatrólogo e Escritor Ivo Bender, destacando a justeza do mesmo, em virtude da obra cultural do homenageado. O Ver. Frederico Barbosa, em nome da Bancada do PFL e do Ver. Independente Jorge Goularte, congratulou-se com o Ver. Rafael Santos, por ter proposto a presente Sessão, comentando período em que conviveu junto com o Escritor e Teatrólogo Ivo Bender, quando de sua gestão frente ao Centro Municipal de Cultura. Ressaltou os serviços prestados pelo homenageado em prol da Cultura gaúcha. O Ver. Kenny Braga, em nome das Bancadas do PDT, PMDB e PSB, teceu comentários sobre a importância da arte para a humanidade, ressaltando a obra do homenageado, tanto no teatro quanto na literatura do Rio Grande do Sul. A seguir a Sr.ª. Presidente concedeu a palavra ao Dr. Glênio Peres, Vice-Prefeito, representando o Sr. Prefeito Municipal, que fez um breve relato sobre a evolução do teatro em Porto Alegre, salientando a importância do obra do homenageado para o mesmo. Após, a Sr.ª Presidente procedeu à entrega do prêmio de Teatro Qorpo Santo ao Teatrólogo e Escritor Ivo Bender e concedeu a palavra a S.Sa., que agradeceu a homenagem prestada pela Casa. Em continuidade a Sr.ª Presidente registrou o recebimento de correspondência do Dep. Carrion Júnior, Presidente em exercício da Assembléia Legislativa do Estado e do Sr. Assis Roberto de Souza, Secretário do Interior, Desenvolvimento Regional e Obras Públicas do Estado, a respeito da Sessão Solene de hoje. A seguir, a Sr.ª Presidente fez pronunciamento alusivo ao evento, convidou as autoridades e personalidades presentes a passarem à Sala da Presidência e levantou os trabalhos às dezessete horas e cinqüenta minutos, convocando os Senhores Vereadores para a Sessão Ordinária de amanhã, à hora regimental. Os trabalhos foram presididos pela Ver.ª Gladis Mantelli e secretariados pelo Ver. Rafael Santos, Secretário “ad hoc”. Do que eu, Rafael Santos, Secretário “ad hoc”, determinei fosse lavrada a presente Ata, que, após lida e aprovada, será assinada pelos Senhores Presidente e 1ª Secretária.

 

 


A SRA. PRESIDENTE: Havendo número legal, declaro abertos os trabalhos da presente Sessão Solene, destinada à entrega do prêmio de teatro Qorpo Santo ao Teatrólogo e Escritor Ivo Bender.

Solicito aos Srs. Líderes de Bancada que conduzam ao Plenário as autoridades e personalidades presentes. (Pausa.)

Convido a fazerem parte da Mesa: Dr. Glênio Peres, Vice-Prefeito, neste ato representando o Sr. Prefeito Municipal; Sr. Carlos Jorge Appel, Subsecretário de Cultura, neste ato representando o Sr. Governador do Estado do RS; Prof. Luiz Oswaldo Leite, neste ato representando o Reitor da Universidade Federal do RS; Teatrólogo e Escritor Ivo Bender, homenageado.

A seguir, está com a palavra o Ver. Rafael Santo, autor da proposição, que falará em nome do PDS e do PCB.

 

O SR. RAFAEL SANTOS: Sr.ª Presidente, Srs. Vereadores e Srs. Convidados: Ivo Bender não é apenas um teatrólogo de atuação reconhecida no teatro e na literatura. É um administrador nato, um filósofo da realidade brasileira, que se expressa através de suas obras. O espaço desta solenidade é curto para expor e discorrer toda a vida profissional e criativa de Ivo Bender. São 25 anos de dedicação à arte cênica, à literatura e ao magistério. É um gaúcho de muita garra e coragem, que sempre utilizou sua arte para contestar, divertir e fazer pensar. Ele é natural de São Leopoldo, onde aprendeu as primeiras letras, vindo depois para Porto Alegre. Aqui cursou o Colégio Júlio de Castilhos. Naquela época já se voltava para as letras e para as artes. Para complementar sua capacidade criativa, Ivo Bender ingressou na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde formou-se em Letras e Licenciatura Teatral. E com esta formação leciona no curso de Artes Dramáticas da mesma universidade.

Mas a vida de Bender não ficou rescrita ao magistério. Paralelamente foi recepcionista bilíngüe no City Hotel, onde ampliou seus conhecimentos para o trato do relacionamento humano. Foi Diretor da Divisão de Cultura da SMEC, Diretor do Teatro Renascença e do Instituto Estadual do Livro, cargo exercido até o início deste ano. E convém lembrar que todas estas funções o nosso homenageado as desempenhou com êxito. Durante o período em que fui Secretário Municipal da SMEC, nosso Ivo Bender era uma das mais altas autoridades na área da cultura municipal e realizou os mais arrojados projetos culturais desta Cidade.

Até o momento me referi apenas às atividades administrativas de Ivo Bender, e, a propósito, deixei de citar sua obra dramática e literária. Assim como disse o próprio Bender em certa ocasião: “se todos estudarem e obterem boa formação, quem trabalhará mais tarde pelo salário mínimo?” Diante deste pensamento seguro e mordaz citei inicialmente as atividades administrativas, que provavelmente são as que garantem o salário mínimo, já que a literatura e o teatro local ainda são atividades mal remuneradas, especialmente para seus autores, fato que tem levado o próprio homenageado a fazer sérias denúncias até mesmo de forma sutil através de seus textos.

Ivo Bender é dono de uma invejável capacidade de dizer as coisas alegres ou tristes com a mesma serenidade, mas é um crítico da nossa sociedade e da exploração do homem, através dos diversos relacionamentos humanos. E este tem sido o tema básico de sua obra teatral. Assim foi escrita a sua peça teatral “AS CARTAS MARCADAS”, em 1961, e encenada no Centro Acadêmico de Filosofia da UFRGS. E a partir deste primeiro texto sucederam-se outros tantos: “A CASA POR TRÁS DAS DUNAS”, “QUERIDÍSSIMO CANALHA”, “QUEM ROUBOU ANBELA”, que foi um dos grandes sucessos teatrais a nível nacional. Lembro também da primeira peça infantil de nosso homenageado: “O MACACO E A VELHA”, encerrada no extinto Teatro Leopoldina, em 1978. O mesmo sucesso ele alcançou em “SANGUE NA LARANJADA”, dirigida pelo Diretor gaúcho Luiz Arthur Nunes. E mais recentemente, no palco da Teatro Renascença, a peça “O CABARÉ DE MARIA ELEFANTE”, com direção de Arines Ibias, que levou centenas de espectadores a assistirem ao espetáculo.

Bender não é só um bom autor teatral, como um excelente ator, tendo atuado em vários espetáculos, se destacando nos clássicos do teatro grego, que foram montados nos palcos gaúchos. Inclusive ele vem se dedicando, ultimamente, a explorar os mitos gregos, trazendo estes clássicos para o Rio Grande do Sul. Além disto, também em textos curtos versando sobre o cotidiano e a solidão das pessoas nos grandes centros urbanos. Aliás, este é o tema preferido de Ivo Bender, onde é um feroz observador.

É por todo este trabalho que ele é um dos destaques nos Cadernos de Autores Gaúchos, editados pelo Instituto Estadual do Livro, na edição número três, onde várias personalidades escreveram sobre o trabalho intelectual de Ivo Bender. Para o também teatrólogo Luiz Arthur Nunes, Bender é o único dramaturgo gaúcho contemporâneo ou, pelo menos, aquele que mantém sua produção mais constante.

A homenagem que, hoje a Câmara Municipal presta a Ivo Bender engrandece muito mais esta Casa do que ao homenageado. O reconhecimento do povo de Porto Alegre, que pela unanimidade de seus Vereadores oferece a Ivo Bender o prêmio “Qorpo Santo”, há de ficar registrado nos Anais desta Casa como um exemplo vivo de que Porto Alegre não esquece os homens que trabalham em prol de sua cultura e sua arte. Muito obrigado.

 

(Não revisto pelo orador.)

 

A SRA. PRESIDENTE: Com a palavra o Ver. Antonio Hohlfeldt, que falará em nome do PT e do PC do B.

 

O SR. ANTONIO HOHLFELDT: Sr.ª Presidente, Srs. Vereadores e Srs. convidados, o Prêmio Corpo Santo, que esta Casa instituiu por iniciativa nossa, acolhida pela unanimidade dos trinta e três Vereadores, visa um ato de justiça: há muitos anos, através do Prêmio Érico Veríssimo, o Legislativo Porto-alegrense homenageia escritores que tenham prestado serviços relevantes à Cidade, através, exatamente, do nome do nosso escritor maior.

Com o Prêmio Qorpo Santo, buscamos estender essa homenagem aos que se destacam nas atividades das artes cênicas. Depois do professor de filosofia e crítico Aldo Obino, primeiro homenageado, o dramaturgo Ivo Bender, na bem inspirada proposição do Ver. Rafael Santos, é o segundo que essa Casa destaca.

Obrou bem o Ver. Rafael Santos até porque, na condição de ex-Secretário da SMEC, conheceu e conviveu com esta verdadeira personagem, que é Ivo Bender. Permitam-me dizer, com meu amigo Ivo Bender. Ivo e eu somos, de certo modo, da mesma geração, a geração dos anos 60, a geração dilacerada, a geração massacrada, a geração destruída, a geração combatida, a geração acusada, a geração assassinada. Muitos de nós realmente desapareceram sem deixar rastros. Outros, os mais fortes, quem sabe os mais persistentes, conseguiram sobreviver em meio ao caos da ditadura, da perseguição, dos Decretos secretos, do Ato Institucional nº 5, das proibições censoriais, das CGIs inexplicáveis. Toda a obra dramática de Ivo Bender reflete sublimemente este aspecto de nossa vida político-institucional imediata, a que acrescenta outros aspectos não menos importantes.

Filho de imigrantes alemães, residindo no interior, ainda que próxima a Porto Alegre, Ivo Bender ainda adolescente desloca-se para a capital, onde vem estudar. Há, pois, um duplo desenraizamento - um, hereditário, característico dos seus antepassados que deixaram a pátria-mãe em busca de uma terra adotiva que os recebesse. Outro, do jovem de parcos recursos que, sonhando com a sua realização pessoal e profissional, desliga-se da família para enfrentar a grande Cidade.

Ivo Bender participa do grupo daqueles jovens brilhantes que, nos anos 60, invadem as salas do Instituto de Letras da Faculdade de Filosofia da UFRGS e também as acanhadas salas do então Centro de Arte Dramática.

Ali encontrará a primeira amizade, Lúcia Mello, que o lançará para a decisão principal de sua vida: o teatro. Desde o texto de estréia, em 1961, até o último dos que tornou público em encenação de Arines Ibias, “O Cabaré de Maria Elefante”, ou os desafiadores trabalhos contidos no volume “Nove textos breves para teatro”, que a universidade editou em 1983, Ivo Bender produziu um total de uma dezena e meia de obras, com uma constância, um equilíbrio em sua carpintaria, uma permanente coerência em suas propostas, que o tornaram algo inusual no panorama de nossos artistas e especialmente na dramaturgia brasileira, sobretudo se levarmos em conta que, ao contrário da prosa, o RS não tem grande tradição no texto de teatro.

Ligando esta experiência pessoal latente, advinda do sangue, com a pressão da vida cotidiana, a dramaturgia de Ivo Bender é um equilíbrio precário de suas personagens, divididas entre a expansão plena de seus sentimentos, desejos e aspirações - consideradas pecaminosas, interditadas, terríveis sob a ótica do consenso pequeno burguês, dos que ditam o que se pode e deve fazer, mas não o cumprem - e uma expressão altamente poética, que invade as situações dramáticas e desenvolve quebras do ritmo, interrompendo ações, rompendo conflitos de tal forma que o inusitado, que daí surge, é ainda mais crítico e denunciador das realidades abordadas do que se abordasse-se o tema de maneira realista e imediatamente objetiva.

O universo criado por Ivo Bender é sempre um universo em sursis, em suspensão, altamente relativizado: há uma ordem aparente, rompível, porém, a qualquer momento, na medida em que se descubra a verdadeira ação das personagens. A ordem é ditada por quem menos está qualificado para tal: os que vivem da usura, da usurpação, da violência, da exploração, da violência. Em meio a isso, o autor busca o reencontro com a terra sem males, o retorno ao útero materna, a redescoberta de uma unidade perdida, a recomposição de uma inocência impossível.

É por isso que a obra de Ivo Bender, embora profundamente pessoal e individualizada, é altamente coletiva e socializável. Ao falar dele e de seus fantasmas, falamos de nós e de nossos vampiros. Não admira, pois, que muitos de seus textos tenham enfrentado restrições da censura: sua crítica às convicções sociais e aos comportamentos estereotipados atinge em cheio e desvela o mundo inconsciente dos desejos e paixões, das frustrações e complexos característicos dos que dominam pela força, mas seriam incapazes de se manterem numa sociedade realmente democrática e transparente.

Fui companheiro de Ivo Bender durante todo esse tempo. Às vezes mais à distância, outras, mais próximo. Sempre acompanhei sua obra dramática e inclusive participei, com algumas opiniões, de seus dois livros contendo textos dramáticos, o “Teatro escolhido” e “Entrenós”, lançados, respectivamente, em 1975 e 1976.

Trabalhei com Ivo Bender na vivência extraordinária da SMEC, na equipe formada pelo então titular da SMEC, Frederico Lamacchia, e que tinha à testa da Divisão de Cultura a professora Rosa Maria Malheiros, hoje e coincidentemente, atual Diretora-Geral dessa Casa Legislativa. Ali, ao lado de Irene Brietscke, de Vaniá Brown e de tantos outros bons companheiros, desenvolvemos experiências culturais marcantes, como a Tenda de Cultura, e em 1972 chegamos a produzir um belíssimo espetáculo que marcou o Natal daquele ano: a encenação de “O Auto do Pastorzinho e seu rebanho”, com participação musical de inúmeros corais, atores porto-alegrenses e um belo programa, cuja capa foi criada por Romanita Desconzi e continha um poema de Mário Quintana, especialmente escrito para a ocasião.

Com Ivo Bender também vivi os desafios do Instituto Estadual do livro, comandado valentemente por Lygia Averbuck, já falecida.

Ali, enfrentando as censuras disfarçadas, as pressões que chegavam por telefone, as interdições de se trabalhar com textos desse ou daquele autor, chegamos a editar alguns dos quais, mais tarde se tornariam importantes nomes, como, dentre outros, Caio Fernando Abreu e Luíz Antonio de Assis Brasil, para citarmos apenas dois.

Quero aqui, após este depoimento que pode parecer até meio burocrático e formal, falar um pouco do Ivo Bender que conheço, não na intimidade, mas na proximidade de uma convivência que se prolonga já - quem diria - por pelo menos duas décadas.

Uma vez fomos, Vaniá Brown, eu e outros tantos amigos, ao apartamento de Ivo. O convite era um jantar. Informal, bem certo: sentados no chão ou em almofadas, passamos a noite ouvindo músicas, comendo e comentando as questões de nosso teatro. O apartamento era aconchegante, sem resistências a receber aqueles intrusos que ali invadiam seus segredos. Perdida em meio a tantas e tantas portas, a da casa de Ivo Bender, formalmente recatada e resistente à invasão, depois de abrir-se entrega-se à recepção e ao carinho do visitante. Assim é o próprio Ivo Bender. Na aparência, há certa distância. Sua descendência germânica parece distanciá-lo do outros: timidez ou agressividade, as opiniões têm variado.

Mas nós, que somos seus amigos, sabemos que não é no fundo nem uma nem outra coisa. Para descobrir a verdade de Ivo Bender, basta olhar seus olhos: a avidez do olhar que tudo descobre, que tudo perscruta, que tudo quer encarar para transformar em matéria-prima de seu teatro. E, sobretudo, o que mais me encanta em Ivo Bender, é esta potencial perspicácia, que ele imediatamente traduz na observação ferinamente irônica, mortal, cortante, mas absolutamente certa. Do comentário pessoal à transformação de uma cena de teatro, é um pulo, e o próprio Ivo Bender transforma-se imediatamente em personagem de sua própria representação, um menino filho de imigrantes, oriundo da serra gaúcha, que chegou um dia à capital, e ali venceu. A maior prova disso é a homenagem que hoje lhe prestamos, por tudo o que soube recolher de nós, e a nós devolver, através de sua obra de teatro.

Parabéns, Ivo Bender. Obrigado, Ivo Bender. Nós, que somos tuas personagens, te reconhecemos como nosso criador.

 

(Não revisto pelo orador.)

 

A SRA. PRESIDENTE: Com a palavra o Ver. Frederico Barbosa, que falará em nome do PFL e do Ver. independente Jorge Goularte.

 

O SR. FREDERICO BARBOSA: Sr.ª Presidente, Srs. Vereadores e Srs. Convidados: é com muita honra que falo em nome da Bancada do Partido da Frente Liberal - PFL, por ocasião de mais um reconhecimento público da Cidade, através desta Casa, que representa os desejos, os anseios e os reconhecimentos aqueles que, de uma forma ou outra, lutam, vibram, trabalham e engrandecem nossa Capital em suas mais variadas áreas de revelações humanas.

Tive a grata oportunidade de conviver durante sete meses, quando titular da SMEC, com o Professor de Português, Escritor e Teatrólogo: Ivo Bender, que nascido em São Leopoldo, há tantos anos, é um dos mais importantes dramaturgos gaúchos. O título ora saudado, como diz a Lei “é conferido a Ator, Produtor, Diretor, Autor, ou qualquer outra personalidade que, por sua contribuição ao teatro, enriqueça esta atividade, especialmente havendo reflexos em Porto Alegre”.

Evidentemente que nosso homenageado, numa feliz idéia e proposição do Ver. Rafael Santos, reúne qualidades de sobra, no enquadramento das exigências legais para recebimento do Prêmio de teatro Qorpo Santo.

Certamente os oradores que representam as várias siglas partidárias com assento nesta Casa, apresentam mais condições para um análise da atuação de Ivo Bender na área do teatro. Porém, atrevo-me a discorrer sobre algumas afirmativas que, tendo nele alguém que ajudou-me a conviver com tão difícil e sensível área de atuação, tenho certeza fazem a justiça a tão importante figura que tem dentro de si a história do desenvolvimento da vida cultural da nossa querida Porto Alegre. Foi ele uma das pessoas que acompanhou o crescimento da área cultural vinculada diretamente ao trabalho desenvolvido pelo Executivo Municipal, desde seu início até a criação do Centro Municipal de Cultura, onde atuou até pouco tempo. O professor de português da SMEC, que lecionou por muito tempo longe do centro da Cidade, participou de inúmeros e importantes projetos, como o da Tenda e do Carrosel de Cultura, verdadeiro oásis numa época difícil, onde o Prof. Frederico Lamacchia enfrentou, junto com muitos, entre os quais o nosso homenageado, as dificuldades inerentes à época vivida em nosso País. Alguns de seus amigos, em frases curtas e objetivas afirmam: Ivo Bender é parte do crescimento do processo cultural de Porto Alegre. Os grandes começos estão certamente com ele. Os processos de evolução cultural não acontecem sozinhos, e certamente tiveram nele uma de suas molas propulsoras.

Acredito firmemente que estamos diante de um crítico excelente, com uma visão que não traz a figura do ser bonzinho, mas que permite que assimile um ensinamento em cada uma de suas afirmações. Faz parte da história cultural da Prefeitura Municipal, vivendo de perto cada um desses momentos e não olhando de longe esse caminho.

Suas frases, seus desenhos, suas críticas, revelam um ser humano evoluído que ajudou a impulsionar área tão importante e necessária para o desenvolvimento cultural de uma capital de porte de nossa Cidade. Foram longos anos de acompanhamento diário, como batalhador do dia-a-dia para que Porto Alegre retornasse a ser um verdadeiro centro cultural.

Por tudo isso, e por muito mais que poderíamos discorrer, o PFL sente-se satisfeito em participar desse momento, que se por um lado, se trata de uma reunião de trabalho, por outro é um encontro festivo. Nós que coexistimos, mas que vivemos longe uns dos outros, reunimo-nos com o objetivo de entregar a IVO BENDER um prêmio merecido, na representação de seu trabalho, vinculado a um efetivo serviço prestado as coisas do teatro e da cultura porto-alegrense.

Tenho absoluta convicção de que poderia discorrer por muitas linhas várias páginas, ocupando longo espaço, a respeito da vida e do trabalho de nosso homenageado. Porém, nesta Sessão Solene, que se reveste de especial significado porque é a homenagem da Cidade, representada pelos Vereadores, colegialmente eleitos como seus porta-vozes, preferimos deixar que os convidados e amigos que aqui acorreram, atendendo ao convite para o braço fraterno ao companheiro e amigo, ao cidadão, ao professor, ao teatrólogo, a tudo aquilo que o comportamento, o talento e a postura de Ivo Bender significa, façam a festa, que se acionada e conduzida pelos representantes populares, é de todos quantos a ele tem carinho e respeito.

 

São 25 anos de atuação reconhecida no teatro e na literatura, que por si só, como é do conhecimento de todos, atesta a qualidade de um grande trabalho em favor de nossa gente. Muito obrigado.

(Não revisto pelo orador.)

 

A SRA. PRESIDENTE: Com a palavra o Ver. Kenny Braga, que falará em nome do PDT, PMDB e PSB.

 

O SR. KENNY BRAGA: Sr.ª Presidente, Srs. Vereadores e Srs. convidados.

Já se disse, com a profundidade e a substância das grandes palavras, que a arte ainda é a única forma suportável de vida, é o maior prazer e o que se esgota menos depressa. E não há como se fazer reparo ao sábio conteúdo dessas palavras. Se a arte não existisse, pela ação obstinada e silenciosa, dos poetas, dos romancistas, dos pintores, dos dramaturgos, dos músicos e até dos amantes, que transformam os seus gestos em frutos dourados da criação, a vida seria insuportavelmente vazia. E nós seríamos homens confusos, precocemente envelhecidos, destituídos de grandeza e sem nenhuma possibilidade da ascensão espiritual e de reconhecimento da dimensão do outro que a verdadeira arte nos proporciona. É por isso que, através dos tempos, a arte resistiu, a arte sobreviveu. Ela foi e continuará sendo um facho de luz colocado na mão do homem para que ele avance sobre território minado pela treva e plante, no futuro, a semente de um mundo melhor, para reafirmar a esperança e desmentir o vaticínio odioso de algumas profecias.

Aos seus inimigos de ontem e de sempre, só resta o desconsolo e o desprazer de terem perdido o seu tempo, na tentativa inútil de reprimir as manifestações do espírito e o grito de liberdade que se abriga no coração de todos os artistas. A eles, o nosso desprezo pelo mal que tentaram fazer; a eles, a nossa piedade pela impotência diante da força da arte, que os converte em criaturas pequenas e horrorizadas com a sua própria fealdade. Só os artistas sobrevivem à estupidez e a violência de todas as épocas. Mesmo quando parecem no suplício do cárcere ou morrem na tristeza do exílio enfraquecem as ditaduras e reservam aos povos uma palavra literária que, ao longo do tempo, acende o fogo de todas as revoluções.

Em conseqüência, é incomensuravelmente rica a vida do artista. A sua palavra pode fazer com que desmorone um império. O seu exemplo pode fazer com que a vida se abra para o amanhecer de uma nova realidade. Temido pelos poderosos, invejado pelos medíocres, o artista arrasta os perigos da incompreensão e da zombaria, quando, através de uma lente particular, enxerga além das fronteiras do seu tempo, descortinando realidades que a sensibilidade comum não alcança.

Hoje é um dia significativo e importante para a Casa do Povo de Porto Alegre. Numa feliz iniciativa do Ver. Rafael Santos, a Casa se abre para receber e homenagear um artista, um homem de sensibilidade superior, que vem dedicando o melhor de sua existência à construção de personagens, nos quais injeta os anseios, os desejos, os sonhos, os defeitos e as contradições de todos os seres humanos. Teatrólogo por vocação, por entrega apaixonada de sua alma, Ivo Bender está aqui para receber, através dos Vereadores de todas as Bancadas, de todas as siglas partidárias, a homenagem da população de nossa Cidade, traduzida na entrega do Prêmio Qorpo Santo.

E a Casa se sente feliz, na certeza de que, ao reconhecer os méritos de um artista, de um grande construtor de peças teatrais, está dando uma contribuição importante a história cultural de nossa Cidade.

A Câmara, ao contrário do que falam seus detratores habituais, relegados ao triste papel de coveiros da democracia, pode e deve ser palco de grandes e poderosas ações em favor da arte e da cultura, irmãs gêmeas e inseparáveis da liberdade.

Ao prestar uma homenagem ao teatrólogo Ivo Bender, um homem inquieto e criativo, um homem poderosamente lúcido e aguerrido na luta contra seus próprios demônios, tal um personagem de Nikos Kazantzaky, a Câmara Municipal de Porto Alegre depõe sobre a importância e a eterna necessidade dos trabalhos de todos os seus artistas, de todos os seus criadores.

Se a vida tiver de ser salva, dizia o grande e inovidável Manuel Bandeira, o será pelos poetas. Entenda-se poesia como o fermento indispensável de todas as artes e se terá uma compreensão profunda da frase do poeta pernambucano. Só a poesia, vazada perenemente no rosto aflito do mundo, pode suavizar as suas arestas e impedir a concretização de tragédias e de morticínios.

Ivo Bender já nos deu muito através das peça de teatro que realizou desde seu primeiro texto, “As Cartas Marcadas”, em 1961, depois de ter concluído o curso clássico no Colégio Júlio de Castilhos e iniciado o curso de Letras na UFRGS.

Mas, certamente, ainda tem muito para nos dar, prosseguindo a trajetória bem sucedida de grandes realizações artísticas, como “Queridíssimo Canalha”, “Quem roubou meu anabela”, “Sexta-feira das paixões” e “Cabaré de Maria Elefante”. A inspiração superior de sua dramaturgia e a sua consciência de trabalhador intelectual, hão de nós brindar, muito tempo, com obras vigorosas, expressivas da nossa condição de homens do terceiro mundo e de almas sedentadas de liberdade. A sua produção teatral é um orgulho para Porto Alegre e uma benção de paz num mundo crucificado por grandes interesses corporativistas, uma fé cega na força das armas e um desprezo crescente pelos valores do espírito que, mais do que todos os exércitos, modelaram a fisionomia eterna da Grécia clássica.

Os poetas têm o direito de apostar no amanhã. São eles que se queimam nas labaredas da criação. São eles que vislumbram, por detrás das nuvens pesadas e dos instrumentos de torturas que massacram o ser humano e impedem o desabrochar sublime das flores, o nascimento da manhã da nossa ternura, da nossa solidariedade e, acima de tudo, a disposição de sermos, ainda que com o risco da própria vida, os guardiões da justiça e da liberdade. Obrigado.

 

(Não revisto pelo orador.)

 

A SRA. PRESIDENTE: Com a palavra o Sr. Glênio Peres, Vice-Prefeito de Porto Alegre.

 

O SR. GLÊNIO PERES: Sr.ª Presidente, Srs. Vereadores e Srs. presentes: eu, neste dia especial, e com pessoal satisfação de representar o companheiro Prefeito da Cidade, Alceu Collares, num ato que é grato ao meu coração, por me trazer a lembrança muitos dos melhores momentos de minha vida. Por verificar que a Câmara, onde passei vinte anos dos meus já muitos anos de vida, não se lembrou somente dos escritores da nossa terra, quando criou o prêmio Érico Veríssimo, mas lembrou-se também dos que fazem teatro, dos que criam para o teatro, dos que escrevem para o teatro, quando foi buscar no escritor gaúcho Qorpo Santo, exumado como um dos maiores criadores para o teatro brasileiro, pelo brilho da pesquisa literária de Guilhermino Cézar e do professor Aníbal, dando o nome daquele que nos antecedeu no tempo, para dar este prêmio que hoje é concedido por iniciativa do meu ex-companheiro de Câmara Municipal, Ver. Rafael Santos, ao nosso professor, escritor e teatrólogo: Ivo Bender.

Eu diria, muito brevemente, aos presentes e ao nosso homenageado que, hoje, aqui não se festeja somente os 25 anos do teatro de Ivo Bender, senão que se festeja todo o tempo do teatro em nosso meio e em nosso Estado, eis que não se contam por quartos de séculos os momentos da continuidade do teatro como fato, com ato de criação, como momento de beleza, como ação criativa, como circunstância de arte.

Eu trago, da minha memória pessoal, a lembrança de um tempo que fui, como o nosso homenageado Ivo, apaixonado espectador do Teatro do Estudante, que, por sua vez, sucedia a outras manifestações que antecederam aquele grupamento que reunia e catalisava a vontade de fazer e de criar teatro aqui, a outros grupamentos que lhes tinham antecedido. E o nosso teatro do Estudante, que por tantos anos aqui esteve, e que nos deu tantos e tão bons atores, sem que nos tivesse dado um bom autor que ficasse no tempo, semeou experiências que permitiram, quando aquele teatro desapareceu, indo os seus principais animadores e atores, como por exemplo o José Lewgoy que foi para o centro do País em busca de outras oportunidades, semeou, na intenção da juventude de Porto Alegre, circunstâncias que favoreceram um fato deveras impressionante. Porto Alegre chegou a ter, naquela época que sucedeu ao Teatro do Estudante, um número de grupamentos teatrais dirigidos das mais diversas formas de fazer teatro - teatro infantil, teatro de adultos - um número de grupamentos proporcionalmente maior que os existentes em Nova Iorque, considerada a relação populacional, com o número de grupos em atividade permanente. Esta movimentação ensejou, então, que as lideranças se preocupassem em que aquele movimento não se esgotasse no simples fazer por fluição pessoal, mas fazê-lo com entendimento do que se fazia, com aprimoramento para fazer melhor, com uma sedimentação natural, para que houvesse um avanço do teatro em nosso meio. E, então, se foi buscar Rugério Jacobiki, que acaba de falecer, há pouco tempo em sua terra natal. Rugério havia vindo com os grandes diretores, inovadores do teatro, tangidos pelos ventos que sopravam na Europa e trouxeram para América Latina e para o Brasil esses grandes diretores e inovadores. Rugério Jacobi que ouvia, desde o Rio, os rumores de nossas inquietações locais, se deslocou para cá e a UFRGS abriu-se para o Curso de Arte Dramática, para cujas cadeiras se inscreveram quase todos os amadores que, então, atuavam e animavam os grupos locais, praticamente fazendo com que esses grupos cessassem sua atividade, porque era condição de ingresso na Universidade que os amadores não se dividissem em atividades extra-curriculares e concentrassem o trabalho no Curso de Arte Dramática. Ainda tenho na memória o “Egmont” de Goethe, primeiro espetáculo de apresentação dos alunos do CAD, onde hoje, nosso homenageado é professor e onde foi aluno de Lucia Mello, que também foi minha mestra. É nesse tempo, dos primórdios do CAD, que aquele ruivinho inquieto começava o seu movimento da platéia para o palco, do palco para sua mesa de trabalho, de intérprete para escritor, de escritor para criador de situações e personagens. Como voou o tempo! São 25 anos desde o tempo em que vos falo e nesses 25 anos verifiquei que aquilo que outras circunstâncias não deram ao Rio Grande do Sul, desde Qorpo Santo, o evoluir dos fatos que brevemente lhes relatei aqui, do teatro do Estudante a superposição de grupos amadores, da superposição de grupos amadores à criação do CAD nos deu o que de melhor se pode pedir ao teatro: a permanência da criação através de textos que fiquem. E como os textos, Ivo Bender irá ficar e como ele é um criador de teatro, e como ele é um produto perfeito e acabado desse permanente fazer que é o teatro, ele é hoje e aqui a prova perfeita e acabada da permanência do teatro em boa parte, do ideal de beleza como aspiração humana e nos assegura que outros 25 anos virão e que o teatro, eterno é, há de sustar a beleza de viver-se. Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

A SRA. PRESIDENTE: A Câmara Municipal de Porto Alegre, nos termos da Resolução nº 816, de 23 de novembro de 1984, confere o Prêmio de Teatro “Qorpo Santo” a Ivo Bender, por sua valiosa contribuição para o enriquecimento do teatro gaúcho. Porto Alegre, 31 de março de 1987.

Convido o proponente desta homenagem, Ver. Rafael Santos, a proceder à entrega do título honorífico ao homenageado Ivo Bender.

 

(Faz-se a entrega do título.) (Palmas.)

 

Concedemos a palavra ao Teatrólogo e Escritor Ivo Bender.

 

O SR. IVO BENDER: Sr.ª Presidente, Srs. Vereadores, Srs. Presentes, quero, inicialmente, manifestar meu agradecimento pela altíssima distinção que me é concedida por essa ilustre Câmara e, em especial, ao Ver. Rafael Santos, com quem tive o privilégio de trabalhar quando ele era Secretário da SMEC e eu assessorava a Divisão de Cultura para assuntos de teatro.

O reconhecimento da comunidade porto-alegrense ao trabalho que eu venho desenvolvendo ao longo de 25 anos dedicados ao teatro, especialmente no que se refere à construção de uma dramaturgia, me parece extremamente importante num momento em que, ao par da atenção que se dá às artes de modo genérico, o teatro ainda é visto como atividade marginal, não raro de proscritos, dentro dessa engrenagem esmagadora com a qual somos obrigados a conviver.

Todos aqueles que já tiveram a oportunidade de contemplar a grandiosidade da cultura grega, origem e berço de nossa civilização, sabem da importância do teatro na formação da cultura, das tradições e do aprimoramento social e democrático da comunidade grega. Também a Alemanha, a Inglaterra, a França e a União Soviética tiveram com o teatro um instrumento de aprimoramento cultural. Essas nações viveram o palco como o espaço ideal para a discussão dos grandes problema da humanidade.

O Brasil, fruto da colonização portuguesa, herdou de Portugal um certo descaso ou, por outra, uma certa visão que não avalia, corretamente, a importância cultural e social das artes cênicas. E nem poderia ter sido diferente: desde quando o colonizador propicia oportunidades de crescimento cultural ao colonizado? Na verdade, Portugal, por demais ocupado na tarefa colonizadora, não teve tempo para deixar brotar manifestações teatrais sequer no seu próprio solo. Tirante Gil Vicente, Portugal não chegou a legar ao mundo uma literatura dramática como a Espanha fez no mesmo período histórico.

Mas a ausência de uma tradição secular não justifica que insistamos no erro de ver no teatro apenas a possibilidade de uma fruição passageira ou de um escapismo que logo se dilui quando o espetáculo termina. Além disso, uma tradição é formada por pequenas somas, ao correr dos anos, dentro de uma atividade ininterrupta. Para tanto, é fundamental que os poderes públicos revisem seus conceitos de cultura e passem a atuar mais ligados ao artista, descobrindo como acontece o fazer artístico no seu dia a dia.

Historicamente, aqui no Brasil, o palco tem sido visto como nebuloso espaço por onde transitam homens e mulheres que não se ajustam a determinados padrões tidos como desejáveis pela sociedade como um todo. Ora, sendo vistos como tal, e, ainda, como improdutivos dentro de uma visão mais plana de um capitalismo nascente primitivo, o teatro passa a ser objeto de uma condescendente tolerância. Essa visão constrangedora recebeu, dias atrás, um reforço quando foi proibida a peça Teledeum. Ou seja, o teatro é tolerado até um determinado limite. Mas após marchas e contra-marchas, a peça foi, por fim, liberada. Poderia ter sido poupada à nação a vergonha de ver mais um espetáculo sendo interditado. E os censores poderiam ter evitado o dissabor de ter que voltar atrás na sua petulante postura de guardadores da moral pública. Ainda no ano passado, um filme de procedência americana foi retirado de cartaz. A alegação para a ação era, no mínimo, primária. Alegava-se que a fita incitava à violência. O filme na verdade era de muito má qualidade. Mas a alegação de que alguns metros de celulóides são perigosos em termos de segurança da população é ignorar que a violência se gera no seio da própria família quando os afetos se deterioram, quando o pai está desempregado, quando o salário é exatamente como a lei o define -mínimo- e quando o pão deixa de ser posto à mesa.

O contexto em que vivemos todos nós não é absurdo. O contexto é contraditório e, por isso mesmo, trágico. Existem, espalhados pelo País, 35 milhões de menores abandonados. Nós os abandonados em tudo e no que é primordial para o ser humano: o amor. A fome ronda os lares da maioria dos brasileiros e o país alcançou um recorde lamentável: temos o mais alto índice de tuberculose do mundo.

A universidade brasileira, aos poucos, vem sendo desmantelada. Centros de pesquisa e de cultura vão minguando à falta de recursos. E a educação fundamental, de primeiro e segundo graus, aquela escola que oferece o instrumental básico para a criança se tornar um cidadão, fracassa na sua tarefa.

E é num país assim que eu escrevo teatro. Então eu me pergunto: Para quê? Num país em que as pessoas enlouquecem de fome e onde a violência e o crime são, paradoxalmente, seu único modo de sobrevivência, para que insistir na, aparente absurda, mania de escrever teatro?

E, no entanto, eu escrevo há 25 anos. Durante esse tempo todo, muita coisa pude observar: posturas ideológicas se revezaram sobre o palco, muito mais do que na vida política do País. Textos politicamente engajados foram retirados de cena; outros, mais felizes, fizeram carreira no palco. E assim, na efervescência do teatro, observei um desfilar de problemas, de idéias e de reflexões. É aí que descubro razões para continuar escrevendo: de uma maneira ou de outra ajudo, modestamente, a movimentar esse grande espelho, que é o teatro, para que esse espelho reflita, com nitidez, os problemas imediatos da justiça social ou a nossa humana perplexidade frente a esse grande nada contra o qual nos debatemos enquanto homens.

Por isso, estar recebendo hoje o Prêmio Qorpo Santo me emociona fundamente. O povo de Porto Alegre, através de seus representantes, premia o filho adotivo, tantas vezes rebelde.

Agradeço mais uma vez a esta ilustre Câmara de Vereadores. Agradeço também a todos os diretores de teatro que até aqui encenaram meus textos, aos atores e atrizes que sopraram vida aos personagens por mim criados, às costureiras que obscuramente, dentro de seus atelieres, confeccionaram as roupas das pessoas de meus dramas e comédias, aos maquiadores, aos iluminadores que com seu secreto trabalho criaram as atmosferas de minhas peças, ao público que nem tem prestigiado sempre. Sem a contribuição de todos eles, a minha dramaturgia talvez estivesse ainda jogada dentro de uma gaveta qualquer, muda e morta, sem possibilidade de adquirir voz e vida. Muito obrigado.

 

(Não revisto pelo orador.)

 

A SRA. PRESIDENTE: Antes de proferir algumas palavras em nome da Presidência, gostaria de ler dois telegramas recebidos, um do Carrion Junior, Presidente em Exercício da Assembléia Legislativa, que diz: “Impossibilitado de comparecer, motivo compromissos inadiáveis, agradeço honroso convite, formulo voto evento tenha pelo êxito”. O outro do Sr. Assis Roberto de Souza, Secretário do Interior do Desenvolvimento Regional e Obras Públicas, que diz: “Compromisso anteriormente assumido me impede de comparecer Sessão Solene entrega prêmio teatrólogo e ator Ivo Bender. Na oportunidade envio minhas congratulações brilhante iniciativa de valorização artista gaúcho”.

Vários de vocês já têm tido oportunidade de assistir à premiação ou à entrega de algum título que esta Casa concede a alguma pessoa que a Casa do Povo ouve por bem homenagear. Sabem que este momento cabe à Presidência tentar interpretar o pensamento da Casa em relação a esse evento em que estamos, hoje, participando em conjunto.

É muito difícil falar de alguém, como Ivo Bender, na medida em que tantos oradores já me antecederam e foram tão felizes nas suas colocações.

Ivo Bender, no seu pronunciamento, faz, não só um apanhado desse País, com suas misérias, com suas derrotas, mas também faz um grito de otimismo, acredita que ainda exista saída para este País.

Muito me honra estar aqui, hoje, presidindo essa Sessão. Poderia não estar, já que o papel não é meu, mas é um papel que eu cumpro com muita satisfação. Tive a oportunidade de conviver com Ivo Bender muito recentemente, desde que me tornei Vereadora. E posso dizer que, pelo menos de minha parte, foi um amor instantâneo, não sei se da parte dele, mas da minha foi, e isso me torna emocionada, neste momento, para falar de Ivo Bender.

Mas, acho que a Casa do Povo, apesar de todos os seus erros e acertos, é uma Casa que procura ainda muita dignidade, levar o nome dessa Instituição em frente. Sabemos que dela fazem parte homens e mulheres, que como homens e mulheres cometem erros, sabemos disso, mas cometem muitos acertos também. E, um dos acertos da Casa é homenagear Ivo Bender. Acho, também, que esta Casa foi muito feliz quando, por iniciativa do Ver. Antonio Hohlfeldt criou o prêmio de Teatro “Qorpo Santo”. Havia uma falha nesta Cidade, quando queríamos homenagear alguém aproximado, chegado e criando teatro, nesta Cidade. Hoje, temos essa possibilidade, sanamos essa lacuna. E desta forma, quando nosso nobre Ver. Rafael Santos propôs a esta Casa que se homenageasse Ivo Bender, pelo seu trabalho, pelo seu empenho em levar o teatro nesta Cidade, esta Casa não poderia agir de outra forma a não ser de aprovar por unanimidade, e de hoje estamos culminando um ato de iniciativa desta Casa entregando o prêmio a Ivo Bender.

Nada mais havendo a tratar, agradeço a presença dos senhores e convoco os Srs. Vereadores para a Sessão Ordinária de amanhã, à honra regimental.

Estão encerrados os trabalhos.

 

(Levanta-se a Sessão às 17h50min.)

 

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